segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Fanatismo Humano - uma visão pessoal

Por Dalton Campos Roque



Não existe fanatismo religioso, o fanatismo é humano. E, portanto, ele se manifesta em todas as instâncias humanas: na religião, na política, na filosofia, na ciência, nos esportes e onde houver gente.

O fanatismo é a intolerância, a intransigência e radicalismo diante de um pensamento diferente.

Se a opção da religião do outro me incomoda, então sou um fanático. Se o cético me incomoda, então sou um fanático. Se a opção de ser ateu me incomoda, então sou um fanático. Se Ramatis me incomoda, sou fanático. Todos somos mais ou menos fanáticos, todos nos irritamos num certo nível e certo contexto. O cético defende o ceticismo, o capitalista defende o lucro, o evangélico defende o céu e o espírita defende a reencarnação, mas se as opções de persi incomodam ao outro, então o fanatismo é grave. Pois eles apenas escolheram sua opção e nem ainda me atacaram!

E fica mais grave ainda conforme o nível de semelhança da linha que disputa a "verdade" maior. O espírita purista ataca o espírita universalista, a Conscienciologia ataca a Gnose, o evangélico da igreja A ataca o da Igreja B, o espírita comum ataca a Umbanda, cada um defendendo sua "verdade" a ferro e fogo, pois os argumentos pseudocientíficos (quase todos eles) é que seduzem em seu discurso doutrinário para seus prosélitos a fim de engordar a fonte com mais soldados agressivos e obter mais fundos para seu investimento de salvação, diga-se de passagem, sempre aprovado por Deus, pelo Guru, pelo Mestre ou pelo Serenão.

E não é só diante das opções alheias que se revela o fanatismo, diante dos ataques e agressões também. São os antagonismos nas escolhas das opções! Se existe o "céu" então não existe reencarnação! "Meu mestre é mais poderoso que o seu", "meu guru é mais poderoso que Jesus"... E cada um defende sua verdade e a do outro é mentira. Um é evoluído e o outro atrasado.

As escolhas estão na disputa, estão na mesquinhez dos egos. É mais importante parecer mais de vanguarda, moderno e verdadeiro, do que ser feliz na escolha que fez. É mais importante disputar com o outro do que eu vencer a si mesmo.

Porque eu não posso ficar feliz observando que o colega está realizado e em paz em sua Igreja Evangélica? Porque não me sinto feliz observando a convicção segura do cético? Interessante que religiões falam de moral, ética, bioética e cosmoética, mas não chegam perto de nada disso. Se é para detonar o "infiel" vale usar a espada.

Acho bonito os evangélicos ajudando as pessoas do jeito deles. Acho bonito os ateus fazendo suas caridades sem precisar de religião e vivenciando sua ética. Afinal eu priorizo o ser humano ou a "mega opção verdadeira e avançada" que fiz? Quanto mais grupos e linhas de pensamento ajudarem nas tarefas de consolação e esclarecimento melhor. Cada uma delas crê que está com a verdade absoluta, mesmo que dê outra justificativa ou outro nome. Irão julgar e condenar uns aos outros sempre, mas o que importa é o bem que fazem em forma de caridade real.

Por aqui rolam outros desdobramentos: há caridade para fim de marketing, o ceticismo não tem nenhuma doutrina moral, há agressões físicas e ataques ao espaço alheio, agressões verbais, piadas e chacotas. Mas a rigor nada disso importa.

Se eu vencer o fanatismo que carrego dentro de mim, estes desrespeitos irão aos poucos não me incomodando mais. E a serenidade inabalável (a caminho) lhe permitirá abençoar e sorrir para este mundo de loucos cheios de razão, racionalidade e verdade.

Não me coaduno com o fanatismo e desrespeito alheio, e dê o nome que quiser, pois defenderei também minha "fé", "crença", convicção íntima, vivência pessoal, minha lógica, coerência, "verdade" e posição, de preferência "atacando" menos possível àqueles que me consideram rival e concorrente. Pois em sua defesa, estes "soldados guerreiros" portadores da "verdade" irão dizer: "ele está me atacando".

O MEDO CAUSADO PELA INTELIGÊNCIA

Por Maria do Carmo.


Quando Winston Churchill, ainda jovem, acabou de pronunciar seu discurso de estréia na Câmara dos Comuns, foi perguntar a um velho parlamentar, amigo de seu pai, o que tinha achado do seu primeiro desempenho naquela assembléia de vedetes políticas.

O velho pôs a mão no ombro de Churchill e disse, em tom paternal: - "Meu jovem, você cometeu um grande erro. Foi muito brilhante neste seu primeiro discurso na Casa. Isso é imperdoável! Devia ter começado um pouco mais na sombra. Devia ter gaguejado um pouco. Com a inteligência que demonstrou hoje, deve ter conquistado, no mínimo, uns trinta inimigos. O talento assusta".

Ali estava uma das melhores lições de abismo que um velho sábio pôde dar ao pupilo que se iniciava n'uma carreira difícil. Isso, na Inglaterra. Imaginem aqui, no Brasil.

Não é demais lembrar a famosa trova de Ruy Barbosa: - "Há tantos burros mandando em homens de inteligência, que, às vezes, fico pensando que a burrice é uma Ciência".

A maior parte das pessoas encasteladas em posições políticas e de chefia é medíocre e tem um indisfarçável medo da inteligência. Temos de admitir que, de um modo geral, os medíocres são mais obstinados na conquista de posições.

Sabem ocupar os espaços vazios deixados pelos talentosos displicentes

que não revelam o apetite do poder. Mas, é preciso considerar que esses medíocres ladinos, oportunistas e ambiciosos, têm o hábito de salvaguardar suas posições conquistadas com verdadeiras muralhas de granito por onde talentosos não conseguem passar. Em todas as áreas encontramos dessas fortalezas estabelecidas, as panelinhas do arrivismo, inexpugnáveis às legiões dos lúcidos.

Dentro desse raciocínio, que poderia ser uma extensão do Elogio da Loucura, de Erasmo de Roterdan, somos forçados a admitir que uma pessoa precisa fingir de burra se quiser vencer na vida.

É pecado fazer sombra a alguém até numa conversa social. Assim como um grupo de senhoras burguesas bem casadas boicota automaticamente a entrada de uma jovem mulher bonita no seu círculo de convivência, por medo de perder seus maridos, também os encastelados medíocres se fecham como ostras à simples aparição de um talentoso jovem que os possa ameaçar.

Eles conhecem bem suas limitações, sabem como lhes custa desempenhar tarefas que os mais dotados realizam com uma perna nas costas, enfim, na medida em que admiram a facilidade com que os mais lúcidos resolvem problemas, os medíocres os repudiam para se defender.

É um paradoxo angustiante. Infelizmente temos de viver segundo essas regras absurdas que transformam a inteligência numa espécie de desvantagem perante a vida. Como é sábio o velho conselho de Nelson Rodrigues: - "Finge-te de idiota e terás o céu e a terra".

O problema é que os inteligentes gostam de brilhar.

Que Deus os proteja, então, dos medíocres !!!

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

"Você" ou "Doutor”? Ou seria Vossa Excelência?

Um juiz de Direito na cidade do Rio de Janeiro, no ano de 2005 foi autor de uma ação judicial, exigindo que os moradores do condomínio onde residia o chamassem de Doutor, pois segundo ele “Não era um cidadão comum”.

OBSERVEM A BELA REDAÇÃO, BEM ARGUMENTADA, ATÉ SOLIDÁRIA DO JUIZ ALEXANDRE EDUARDO SCISINIO PARA COM O JUIZ QUE SE QUEIXA, MAS....

UMA VERDADEIRA AULA DE DIREITO E DE PORTUGUÊS!


Eis a sentença:



Processo distribuído em 17/02/2005, na 9ª vara cível de Niterói - RJ.


PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - COMARCA DE NITERÓI - NONA VARA CÍVEL
Processo n° 2005.002.003424- 4
S E N T E N Ç A


Cuidam-se os autos de ação de obrigação de fazer manejada por ANTONIO MARREIROS DA SILVA MELO NETO contra o CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO LUÍZA VILLAGE e JEANETTE GRANATO, alegando o autor fatos precedentes ocorridos no interior do prédio que o levaram a pedir que fosse tratado formalmente de "senhor".


Disse o requerente que sofreu danos, e que esperava a procedência do pedido inicial para dar a ele autor e suas visitas o tratamento de ” Doutor, senhor “ "Doutora, senhora", sob pena de multa diária a ser fixada judicialmente, bem como requereu a condenação dos réus em dano moral não inferior a 100 salários mínimos. (...)


DECIDO: "O problema do fundamento de um direito apresenta-se diferentemente conforme se trate de buscar o fundamento de um direito que se tem ou de um direito que se gostaria de ter." (Noberto Bobbio, in "A Era dos Direitos", Editora Campus, pg. 15).

Trata-se o autor de Juiz digno, merecendo todo o respeito deste sentenciante e de todas as demais pessoas da sociedade, não se justificando tamanha publicidade que tomou este processo.

Agiu o requerente como jurisdicionado, na crença de seu direito. Plausível sua conduta, na medida em que atribuiu ao Estado a solução do conflito.

Não deseja o ilustre Juiz tola bajulice, nem esta ação pode ter conotação de incompreensível futilidade. O cerne do inconformismo é de cunho eminentemente subjetivo, e ninguém, a não ser o próprio autor, sente tal dor, e este sentenciante bem compreende o que tanto incomoda o probo Requerente.

Está claro que não quer, nem nunca quis o autor, impor medo de autoridade, ou que lhe dediquem cumprimento laudatório, posto que é homem de notada grandeza e virtude. Entretanto, entendo que não lhe assiste razão jurídica na pretensão deduzida.

"Doutor" não é forma de tratamento, e sim título acadêmico utilizado apenas quando se apresenta tese a uma banca e esta a julga merecedora de um doutoramento. Emprega-se apenas às pessoas que tenham tal grau, e mesmo assim no meio universitário. Constitui-se mera tradição referir-se a outras pessoas de 'doutor', sem o ser, e fora do meio acadêmico.

Daí a expressão doutor honoris causa - para a honra -, que se trata de título conferido por uma universidade à guisa e homenagem a determinada pessoa, sem submetê-la a exame.

Por outro Lado, vale lembrar que "professor" e "mestre" são títulos exclusivos dos que se dedicam ao magistério, depois de concluído o curso de mestrado. Embora a expressão "senhor" confira a desejada formalidade às comunicações - não é pronome -, e possa até o autor aspirar distanciamento em relação a qualquer pessoa, afastando intimidades, não existe regra legal que imponha obrigação ao empregado do condomínio a ele assim se referir.

O empregado que se refere ao autor por "você", pode estar sendo cortês, posto que "você" não é pronome depreciativo. Isso é formalidade, decorrente do estilo de fala, sem quebra de hierarquia ou incidência de insubordinação. Fala-se segundo sua classe social. O brasileiro tem tendência na variedade coloquial relaxada, em especial a classe "semi-culta" , que sequer se importa com isso.

Na verdade "você" é variante - contração da alocução - do tratamento respeitoso "Vossa Mercê". A professora de lingüística Eliana Pitombo Teixeira ensina que os textos literários que apresentam altas freqüências do pronome "você", devem ser classificados como formais. Em qualquer lugar desse país, é usual as pessoas serem chamadas de "seu" ou "dona", e isso é tratamento formal.

Em recente pesquisa universitária, constatou-se que o simples uso do nome da pessoa substitui o senhor/a senhora e você quando usados como prenome, isso porque soa como pejorativo tratamento diferente. Na edição promovida por Jorge Amado "Crônica de Viver Baiano Seiscentista", nos poemas de Gregório de Matos, destacou o escritor que Miércio Táti anotara que "você" é tratamento cerimonioso. (Rio de Janeiro, São Paulo, Record, 1999).

Urge ressaltar que tratamento cerimonioso é reservado a círculos fechados da diplomacia, clero, governo, judiciário e meio acadêmico, como já se disse. A própria Presidência da República fez publicar Manual de Redação instituindo o protocolo interno entre os demais Poderes. Mas na relação social não há ritual litúrgico a ser obedecido. Por isso que se diz que a alternância de "você" e "senhor" traduz-se numa questão sociolingüística, de difícil equação num país como o Brasil de várias influências regionais.

Ao Judiciário não compete decidir sobre a relação de educação, etiqueta, cortesia ou coisas do gênero, a ser estabelecida entre o empregado do condomínio e o condômino, posto que isso é tema interna corpore daquela própria comunidade.

Isto posto, por estar convicto de que inexiste direito a ser agasalhado, mesmo que lamentando o incômodo pessoal experimentado pelo ilustre autor, julgo improcedente o pedido inicial, condenando o postulante no pagamento de custas e honorários de 10% sobre o valor da causa.


P.R.I. Niterói, 2 de maio de 2005.



ALEXANDRE EDUARDO SCISINIO
Juiz de Direito

Nem tudo está perdido...

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Os dalits, os negros e os pobres

de autoria de Julio C.O. Bernardo, professor


Olhar nos olhos de uma pessoa, cumprimentá-la demonstrando respeito e atenção, são medidas simples, plausíveis e auspiciosas...

Nosso país ficou estarrecido com o escabroso sistema de castas indiano ilustrado em recente telenovela global. É certo que essa aberração comportamental na Índia foi bem mais presente em tempos passados, continuando, no entanto, a assombrar, ainda, as paragens da terra de Gandhi. Na África do Sul, durante anos, os negros sentiram o amargo da segregação racial pelo apartheid, que enojou todo o planeta com tanta escassez de escrúpulos. Essas duas situações são capítulos macabros e ainda muito pouco resolvidos da história da humanidade. Nosso Brasil, entretanto, não se safa dessas máculas sociais, travestidas e camufladas. Temos nossos dalits, nossos negros, nossos pobres, nossos “menos”, em todo lugar. Em toda esquina há um alguém vítima de preconceito e maus-tratos.

Nossos dalits são os pobres que não têm o básico necessário em atendimento médico-hospitalar, são os muitos que não têm moradia digna, emprego decente ou oportunidades para rechear um pouco a sofrida vida com perspectivas de mudança.

O porteiro do prédio chique para o qual o morador nem diz bom dia, o gari varrendo a rua que nem é notado, o empregado subalterno menosprezado, a doméstica tratada como objeto, o picolezeiro esquecido, o pedidor de esmola fedido, o vizinho com os filhos famélicos, o microagricultor desamparado, o carteiro invisível, a prostituta renegada, os filhos do Brasil perambulando na sarjeta, os pacientes apodrecendo nas filas do SUS, os professores espancados e perdidos nos púlpitos das salas de aula despedaçadas, o entregador de água desconhecido, o office-boy quebra-galho ignorado,os senis amontoados nos nosocômios da miséria e os andarilhos asquerosos do trecho são, todos eles, vítimas da mais lamentável moléstia espiritual: a indiferença e o preconceito.

Muitos dalits existem por aí, muitos pobres, muitos homossexuais, muitos seres-humanos tratados como criaturas inferiores. São muitos os filhos do Sr. José e da Dona Maria, sem chinelinhas de dedo, descalços sobre os espinhos do sertão, sobre os mangues ou sobre as favelas carregadas de tétano e difteria. Estão desprotegidos, jogados à própria sorte, degustando o próprio azar. O preconceito muda, muda de estilo, de forma, de cor, de nacionalidade, de classe social, de perfume, mas persiste no mundo, na sociedade brasileira sobretudo, arraigado na podridão mental de muitos ignorantes assoberbados de arrogância e maldade.

Olhar nos olhos de uma pessoa, cumprimentá-la demonstrando respeito e atenção, são medidas simples, plausíveis e auspiciosas. Nesse mundo inconstante de hoje, quase tudo é possível, ricos acordam pobres, sãos acordam doentes, distintos podem acordar invisíveis. Nossos filhos de hoje, por exemplo, podem ser os dalits de amanhã. Como você trataria seu irmão, sua filha, sua mãe? Somos do mesmo pó e a ele retornaremos. Pulvis est et in pulverem reverteris.

Não devemos cultuar a perfeição. Jamais seremos perfeitos, mas tratar o próximo como gostaríamos de ser tratados é um bom começo, um belo começo.